Quinta-feira, 10:30 Horas, Centro de BTT de Ferraria de S. João, Filipe, Mário, Vítor, KTM, Specialized Stumpjumper, Focus, Ford Fiesta, Garmin Dakota 20.
Estavam enfim reunidas as
condições para iniciar a VOLTA que estava a ser desenhada há várias semanas.
Feito o reconhecimento ao local onde ia-mos passar as próximas duas noites,
despimos os fatos de gala e enfiamo-nos naqueles equipamentos sexies com que habitualmente
desfilamos por montes e vales na companhia das nossas bikes.
O track tinha sido
previamente carregado no nosso novo amigo, o Zé Dakota – da família dos Garmin
– e assim podíamos finalmente iniciar a nossa jornada. Com o Mário à frente a
comandar as hostes montamos as máquinas e avançamos por ali fora cheios de
esperança e com a alegria a inundar-nos o coração – e com alguma tristeza por
ser o último ano em que podíamos comemorar o feriado.
Como não podia deixar de
ser a volta começou logo a subir. Durante algumas centenas de metros subimos
até ao ponto mais alto da Ferraria e deparamo-nos com um single-track em pedra
que faz chorar de inveja muitos dos que encontramos na nossa zona. Aqui já
tínhamos mudado o comando do pelotão passando o Vítor a assumir a liderança,
não porque estivesse a andar mais, apenas porque o Mário não se entendia com o
Zé Dakota e ficou para trás.
Cautelosamente, como é seu
timbre, o líder do pelotão avançava pelo trilho fora acompanhando o ritmo da
sua bike que levava a seu lado. O Filipe seguia na segunda posição e deixava,
tal como o Vítor, que fosse a máquina a marcar o ritmo.
Depois de andarmos cerca
de 2 Kms chegamos a uma descida cravejada de pedras e descemo-la aguardando o
Mário, que entretanto se aproximava a toda a velocidade como se circulasse numa
ciclovia alcatroada. Por razões ainda desconhecidas – e a serem futuramente
apuradas em comissão de inquérito a constituir – iniciou a descida como só ele
sabe fazer, passando por cima da bicicleta num salto mortal digno de nota 10 e
estatelou-se no chão de pedras com a sua amada KTM em cima dele.
A registar: feridas com
várias dimensões nos braços e mãos e ainda alguns hematomas numa das pernas
provocando fortes dores musculares. Para lavar as feridas utilizamos a água que
levávamos no bidon e que aparentemente, a julgar pelos gritos de dor, era aguardente
vinícola.
Feito o tratamento
possível reiniciamos a marcha seguindo o percurso no GPS. Espantosamente ou
não, fomos ter novamente ao ponto onde tínhamos iniciado o circuito.
Bem, definitivamente a
volta não estava a correr como tínhamos previsto. Decidimos então fazer um
circuito mais pequeno. Após várias tentativas para gravar o percurso e depois
de termos sido ajudados por um habitante local, verificamos que o Zé Dakota
renomeava o track – esquisitices tecnológicas.
Com tudo isto estava na
hora do almoço, pelo que decidimos descer por estrada até ao Casal de São
Simão, cerca de 10 Kms, local onde existe um restaurante bastante agradável. Aí
chegados fomos surpreendidos com alguma má vontade inicial do proprietário em
receber-nos. Esclarecidos alguns pontos prévios, fomos muito bem servidos e
ainda nos ofereceram a caixa de primeiros socorros para tratarmos as feridas do
Mário.
Depois de almoço descemos
às Fragas de São Simão pelo percurso pedestre com as bikes às costas. Subimos
ao miradouro, que tem uma vista fantástica e iniciamos o regresso à Ferraria
São João. Subimos aqueles terríveis 10 Kms quase sempre por estrada.
Chegados à Ferraria fomos
fazer o check-in na Casa do Zé Sapateiro. Sem querer fazer publicidade o local
é fantástico e fomos recebidos como amigos da casa. Cinco estrelas e a repetir.
A noite acabou num restaurante em Avelar sem nada de relevante.
Sexta-feira, 8:30 horas.
Depois de uma noite bem dormida e de um pequeno-almoço simples mas muito bem
servido, preparámo-nos para a etapa rainha do centro de BTT da Ferraria de São
João, circuito nº 15 com 75 Kms.
Track carregado, e desta
vez bem, iniciamos a volta. Mais uma vez e durante os primeiros 15 Kms este
percurso é sempre a subir. Passámos por sítios absolutamente fantásticos,
visitamos o miradouro de São João do Deserto e deslumbramo-nos com a vista,
percorremos trilhos nas montanhas com vistas fabulosos. Deparamo-nos com um Cervus elaphus vulgarmente conhecido
por veado e admiramos a destreza com que um bicho daquela envergadura sobe por
cima de rochas e fura entre os arbustos.
O pior estava para
acontecer. Nas imediações da aldeia de Gondramaz, com cerca de 20 Kms feitos, o
trilho que deveríamos utilizar estava coberto de árvores cortadas impedindo-nos
a passagem. Fomos à procura do track por estrada. O Mário que levava o GPS foi
à frente, e eu e o Filipe fomos a procura das placas que marcam o trilho.
Como não encontramos nada
resolvemos descer por estrada. Esta, cortada no monte, tinha do lado direito de
quem desce uma altura de 1,5 mts a 2 mts e do lado esquerdo uma ravina com
algumas dezenas de metros, mas felizmente cheia de árvores e arbustos.
Quando ia-mos a descer, eu
na frente e o Filipe um ou dois metros atrás, vi do meu lado direito um veado a descer em grande velocidade
pela encosta abaixo e a preparar-se para saltar para a estrada. Recordo apenas
que comecei a gritar e quase instantaneamente senti o bicho a cair atrás de mim
e a arrastar o Filipe para fora da estrada. Digo-vos, a imagem é absolutamente
inesquecível e aterradora. Um animal que kms atrás tínhamos admirado, tinha
agora provocado um acidente de consequências ainda imprevisíveis.
O Mário entretanto tinha
voltado para trás e assistiu ao acidente. Naqueles segundos parei a bicicleta e
com o Mário começamos a correr para o local. As pernas empurravam-nos para a
frente mas ia-mos completamente aterrorizados com o que iriamos encontrar. Entretanto
vimos o Filipe a tentar içar-se – tinha conseguido segurar-se a um arbusto – e
vimo-lo logo com sangue em vários locais. Ajudamo-lo a subir e deitamo-lo junto
à estrada. Verificamos que tinha várias escoriações e um golpe enorme numa das
pernas, feito pelo prato pedaleiro (aferimos depois). Tinha ainda o capacete
partido e um enorme hematoma na cabeça.
Chamamos o 112, que não
demorou muito, entretanto apareceram no local um dos lenhadores que tínhamos
encontrado no início da descida e que nos deu referências do local onde nos
encontrávamos e um construtor civil local, Sr. Conde, que se prontificou a
levar e a guardar a bicicleta do Filipe.
A história acabou no HUC, onde fomos buscar o
Filipe após termos feito o caminho de regresso ao local onde estávamos
hospedados para ir buscar o carro. Nessa noite ainda dormimos na Ferraria e no
dia seguinte fomos ter com a família que estava na Pampilhosa da Serra e onde
ficamos mais uma noite. O Filipe passou o resto do fim-de-semana a andar de
muletas e com algumas dores. As bicicletas fartaram-se de andar nos suportes do
carro e estão de castigo em casa.
Viemos depois a saber que
nesta zona têm acontecido vários acidentes com veados embora não seja conhecido
nenhum com bicicleta. Aparentemente os veados foram introduzidos pela
Universidade de Aveiro à cerca de 20 anos e neste momento perderam totalmente o
controlo sobre o nº de bichos à solta pelos montes.
O local merece ser
visitado, mas caros colegas, se forem fazer BTT tenham muito cuidado e
especialmente junto às estradas de alcatrão circulem com atenção, porque estes
animais são inofensivos para os humanos, mas assustam-se com facilidade e levam
tudo à frente.
Texto: Vítor Jesus